terça-feira, 15 de maio de 2012


Ameaças a geodiversidade na ilha de Santiago - Cabo Verde

O aumento populacional, a urbanização descontrolada, a ocupação irregular do solo, a exploração mineral, a desflorestação e a fragmentação de ecossistemas, o fogo, a sobre-exploração de georrecursos naturais, a utilização de tecnologias inadequadas na produção florestal, pesqueira, agropecuária e industrial, a indefinição de políticas públicas e as obras de infra-estrutura implantadas sem os devidos cuidados estão entre as principais formas de ameaça da geodiversidade.
Constituem-se também como ameaças à geodiversidade a falta de recursos para a pesquisa, a iliteracia dos dirigentes políticos, dos gestores e do público em geral em matéria de geoconservação, algumas acções de conservação, as faltas de fiscalização, de monitorização e de estímulo à educação ambiental, bem como a não implementação de práticas sustentáveis (Gray, 2004). Acrescenta-se, a tudo isso, a comercialização ilegal de amostras de fósseis, minerais e rochas.
Todas estas ameaças provocam alterações ou destruições da geodiversidade, susceptíveis de acarretarem, quer de forma directa, quer indirecta, impacte a nível socioeconómico uma vez que, desde o seu aparecimento na Terra, o Homem vem dependendo cada vez mais dos recursos naturais, mormente dos recursos geológicos (veja-se o caso do petróleo e outros georrecursos).
Contudo, a robustez aparente da maioria das rochas, faz com que haja uma ideia generalizada, de que a geodiversidade é susceptível de resistir a processos naturais de erosão e a consequente degradação. Por outro lado, é ideia assente que os objectos geológicos não carecem de medidas de protecção (Brilha, 2005). Apesar de a Natureza nos dar razão em alguns casos, na maioria das vezes, a geodiversidade evidencia grande vulnerabilidade em relação a certas ameaças/perturbações. Para além das ameaças anteriormente referidas podemos acrescentar outras como a ocupação de zonas litorais, a urbanização, os agentes meteóricos e erosivos, a implantação de barragens, aerogeradores e de infra-estruturas rodoviárias, criação de instalações para o uso público (e.g. actividades recreativas), a recolha de amostras, escavação descontrolada em locais com registos fósseis importantes, vandalismo, etc. (Sharples, 2002; Brilha, 2005).
Deste modo, podemos considerar que, de uma forma geral, todos os elementos da geodiversidade apresentam uma maior ou menor sensibilidade às perturbações a que estão sujeitos. Uns são mais sensíveis a determinadas ameaças para as quais outros são mais resistentes ou, até, indiferentes.
Com base nos trabalhos de Gordon e MacFadyen (2001), Sharples (2002), Gray (2004) e Brilha (2005), descriminam-se, seguidamente, os factores que contribuem para a ameaça à geodiversidade. De entre estes factores, alguns estão relacionados, sobretudo, com a actividade de uso da geodiversidade.

A exploração dos recursos geológicos é das actividades humanas mais antigas, se atendermos que os primeiros instrumentos de caça eram feitos de pedra. Os mais variados materiais geológicos utilizados pelo Homem, quer na indústria de construção civil (figura 3.4) quer na joalharia, produção de energia e outros, têm impactes directos ou indirectos na geodiversidade, uma vez que a sua utilização implica a exploração dos recursos geológicos. Esta exploração produz efeitos nefastos, quer a nível dos afloramentos, quer a nível das paisagens. Neste último caso, para além do impacte visual, a diversidade de espécies vegetais que ocupam a vizinhança dos locais explorados sofrerá alterações metabólicas, quer a nível da respiração, quer a nível da fotossíntese.

A nível do afloramento, “a actividade extractiva pode consumir objectos geológicos, como fósseis ou minerais, de valor científico, pedagógico ou outros” (Brilha, 2005). Por outro lado, certas formações com elevado valor petrológico e estratigráfico podem ficar danificados ou completamente destruídos pela exploração. Por exemplo, no Monte Vermelho em Palmarejo, na ilha de Santiago, os materiais piroclásticos vêm sendo explorados, de forma descontrolada, apesar de Pereira (2005) ter reagido a esta situação, apontando as consequências nefastas que, a curto prazo, podem resultar desta exploração. De igual modo, a extracção de areias no leito das ribeiras e em certas praias como em Santa Cruz, S. Miguel e Achada Baleia, tem causado, para além da destruição daquelas praias, a aceleração dos processos erosivos e a intrusão salina, com impactes graves para a fauna e flora locais. A extracção de areia litoral provoca ainda o avanço do mar que afecta as áreas agrícolas.

Quanto ao impacte paisagístico, é notório o aspecto inestético que certas paisagens adquirem na sequência de actividades extractivas, sobretudo, quando após à exploração a céu aberto não são implementadas medidas geotécnicas e de recuperação ambiental que permitam a mitigação dos impactes.
Estamos cientes da inevitabilidade do consumo e da exploração dos recursos geológicos, dos quais todos nós dependemos. A título de exemplo, um estudo do Mineral Information Institute dos Estados Unidos refere que, em média, cada cidadão americano que nasce necessitará, ao longo da sua vida, de cerca de 1680 toneladas de minerais, metais e combustíveis. Multiplicar este valor por todos os cidadãos que têm padrões de consumo semelhantes aos dos americanos, é o bastante para imaginar o volume extraordinário de recursos geológicos de que dependemos (Brilha, 2005).


À superfície da Terra decorre um conjunto de processos que se traduzem, essencialmente, pela meteorização e erosão das rochas. Tais processos poderão ser catalisados pelo dióxido de carbono proveniente, quer da actividade dos seres vivos ou da sua decomposição, depois de mortos, quer do dióxido de carbono atmosférico existente nas águas das chuvas. Nesta óptica, o crescimento da vegetação contribui para o incremento de actividades orgânicas o que poderá traduzir-se num aumento da carbonatação dos minerais silicatados, que constituem a maioria das rochas que afloram à superfície dos continentes. A carbonatação é um processo muito significativo no vasto processo de alteração química das rochas, podendo ser uma grande ameaça à geodiversidade.
A densidade da cobertura vegetal em regiões climáticas favoráveis, poderá também ocultar certas ocorrências geológicas (afloramentos, estratos dobrados, sistemas de falhas, jazigos minerais etc.) com valor científico, pedagógico ou outro, diminuindo os valores da geodiversidade local (Brilha, 2005). Para além deste facto, a densa rede de raízes poderá facilitar a infiltração da água favorecendo a formação de diáclases, levando à degradação dos elementos da geodiversidade.
A desflorestação, por sua vez, contribui para, entre outras coisas, aumentar o poder erosivo resultante da acção dos agentes da geodinâmica externa. Não havendo raízes que facilitam a infiltração das águas pluviais, por exemplo, aumenta o seu poder erosivo sobre os solos e rochas. Finalmente as actividades agrícolas, intensivas onde se usa maquinaria pesada, como o tractor, que aceleram o processo erosivo, levando à degradação do solo (Brilha, 2005). Também o uso de fertilizantes na agricultura poderá contaminar as águas superficiais e subterrâneas deteriorando a sua qualidade química.
Esta prática poderá contribuir para a acidificação de solos, contaminação dos cursos de água por metais pesados e a para a deterioração da componente orgânica, tornando esses solos impróprios para a agricultura e para o desenvolvimento de certas actividades biológicas.
Tais fertilizantes para além dos impactes negativos para a geodiversidade também comprometem a biodiversidade local e a qualidade das águas que abastecem a população, com reflexo directo na qualidade de vida dos habitantes.                 
As práticas agrícolas tradicionais, em Cabo Verde, têm contribuído ao longo dos anos, para a destruição e perda de solos. Em muitos locais, sobretudo nas encostas, o sistema de “monda” tem contribuído para o arrastamento do solo para os vales das ribeiras com prejuízo enorme a nível pedológico. A ausência de vegetação e as práticas extractivas geram impactes irreversíveis, alterando os regimes hidrológicos superficiais e subterrâneos, modificando as condições de infiltração e a própria qualidade do solo.

Em face da zonalidade climática é possível definir, à escala global, grandes zonas de influência dos vários processos de alteração das rochas. Assim, como consequência das variações climáticas, há regiões (árcticas, desérticas quentes e montanhas) onde predomina a meteorização mecânica e outras onde a meteorização química e bioquímica são dominantes. A meteorização química e bioquímica predomina em regiões com grande disponibilidade de água líquida (zonas compreendidas entre o círculo polar árctico e o círculo polar antárctico) e temperaturas que facilitam uma maior abundância de cobertura vegetal. Por outro lado, as variações climáticas podem influenciar os fenómenos de crioclastia e termoclastia, levando ao aparecimento de uma rede de diáclases que propiciem a alteração das rochas. Segundo Brilha (2005), o factor climático poderá, ainda, induzir mudanças nos sistemas de drenagem, provocando mudanças no regime de sedimentação, inundações, induzir o aumento da erosão costeira, condicionar os processos de fossilização, etc. Poderá, ainda, reactivar ou desactivar os processos de meteorização/erosão (Gordon e MacFadyen, 2001) e constituir-se, deste modo, como uma ameaça à geodiversidade.
A construção de obras de grande envergadura como pontes, vias rodoviárias e férreas, barragens, portos, aeroportos etc., produzem impactes negativos sobre o meio abiótico, sendo, por isso, um dos principais factores de destruição da integridade geológica e geomorfológica e, consequentemente, uma ameaça à geodiversidade (Gray, 2004). A implantação de infra-estruturas em sítios inadequados e sem devido plano de monitorização, para além de provocar a impermeabilização de solos e zonas urbanizadas reduzindo as zonas de retenção e consequentemente de infiltração da água das chuvas, também poderá ocultar afloramentos que, de outra forma, poderiam constituir importantes recursos didácticos para os alunos e professores de vários níveis de ensino (Brilha, 2005).
De modo semelhante, a construção de portos e outras obras em regiões costeiras resulta, normalmente, em processos de degradação que podem pôr em perigo certas formações geológicas. A título de exemplo, podemos citar a construção do porto da Praia (figura 4) junto ao qual se encontra um depósito calcarenítico de idade Quaternária, que de resto já foi indicado por Pereira (2005), como um geossítio. Devido às intensas actividades antrópicas existentes no porto, esta formação calcária poderá estar condenada ao desaparecimento. Por outro lado, a trasfega de combustíveis e o seu armazenamento nos armazéns da ENACOL (Empresa Nacional de Combustíveis S. A.) poderão constituir-se numa grande ameaça a este estrato calcarenítico, uma vez que os combustíveis poderão derramar e reagir quimicamente com os componentes desta formação, catalisando o seu processo de degradação.
A propósito desta problemática podemos referir a própria exploração dos materiais utilizados na construção dessas obras, que muitas vezes, não obedecem aos princípios de sustentabilidade. Na construção do Palácio da Justiça e do Liceu Domingos Ramos, ambos na Cidade da Praia, foi extraída, praticamente, toda a areia fina e grosseira da Praia Negra, que hoje está resumida a uma praia de calhaus.

As actividades militares implicam a utilização de maquinaria pesada que associada a bombardeamentos durante os treinos, escavação de túneis e trincheiras poderão produzir diversos impactes negativos para o ambiente, afectando as características sensíveis da geodiversidade. O plano de operações de rotina, em áreas sensíveis (Brilha, 2005), pode causar prejuízos tanto no domínio da geodiversidade como no da biodiversidade. Esses prejuízos podem ir desde da simples erosão de solos à poluição de aquíferos, por munições abandonadas, com graves prejuízos para a qualidade das águas subterrâneas e superficiais.
A maior parte dos políticos e gestores são preparados para trabalharem a nível administrativo, da mesma forma que, a maioria dos geocientistas (geólogos, geofísicos, geomorfólogos, pedólogos etc.) é preparada para contribuir em actividades como indústrias extractivas, exploração mineral, agricultura, silvicultura, gestão de áreas protegidas e organizações semelhantes.
Torna-se, então, necessário conceber medidas e implementar acções que visam promover o equilíbrio entre o uso industrial de recursos naturais e o esforço para proteger e preservar a geodiversidade. Este equilíbrio seria parte integrante do anunciado e desejável desenvolvimento sustentável e constituiria a forma ideal de conservar a Natureza e os seus recursos, envolvendo ambas as vertentes: diversidade geológica e biológica.
Tais medidas e acções passam, por exemplo, pela realização de cursos de pós-graduação, de formação contínua, ou de qualquer outro carácter que permitam a aquisição e actualização de conhecimentos, na área da geoconservação, mesmo por parte daqueles que lidam profissionalmente com a Geologia (Brilha, 2005). Como consequência da iliteracia do público surgem, muitas vezes, actos de vandalismo que também constituem um dos principais problemas associados à geodiversidade e aos espaços naturais protegidos. Por vezes, aparecem painéis informativos danificados (rasgados, pintados com graffiti…), vedações danificadas, graffiti sobre elementos geológicos de excepcional valor o que contribui para aumentar a vulnerabilidade dos elementos naturais protegidos. Por isso, para além dos programas de informação/sensibilização que visem condutas compatíveis com a conservação, a administração dos espaços naturais protegidos deverá desenvolver um programa de monitorização e vigilância que permitam assegurar uma adequada conservação da geodiversidade e outros valores naturais afectos a estes locais.
Conclui-se que o conceito de geodiversidade, apesar de estar a ser amplamente divulgado nas últimas três décadas, carece ainda de algum consenso entre os especialistas e alguma interiorização por parte do público. Não obstante, o seu conhecimento é importante não só para a implementação de acções de geoconservação como também para o conhecimento da história da Terra e dos seres vivos que nela habitam.
Por outro lado, quando do estabelecimento de planos de ordenamento do território temos de conhecer bem a geodiversidade local dadas as especificidades geológicas de cada região. Considerando que a diversidade de estruturas (petrológicas, hidrogeológicas, tectónicas e geomorfológicas) e os materiais geológicos (solos, rochas e minerais) que integram a diversidade geológica representam o substrato, sobre o qual se desenvolve toda a actividade orgânica, é imprescindível promover difusão da geodiversidade, os seus valores e os factores que a ameaçam e, ainda, propor medidas que contribuem não só para a sua gestão sustentável como também para minimizar os impactes decorrentes da sua degradação.   
A preservação da geodiversidade deve constituir-se numa prioridade para os cientistas, educadores, técnicos e políticos responsáveis pela gestão de políticas ambientais e de Conservação da Natureza. Para isso, é necessário que todos estes actores e a sociedade em geral se envolvam na promoção, divulgação e valorização da geodiversidade.



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