O
aumento populacional, a urbanização descontrolada, a ocupação irregular do
solo, a exploração mineral, a desflorestação e a fragmentação de ecossistemas,
o fogo, a sobre-exploração de georrecursos naturais, a utilização de
tecnologias inadequadas na produção florestal, pesqueira, agropecuária e
industrial, a indefinição de políticas públicas e as obras de infra-estrutura
implantadas sem os devidos cuidados estão entre as principais formas de ameaça
da geodiversidade.
Constituem-se
também como ameaças à geodiversidade a falta de recursos para a pesquisa, a
iliteracia dos dirigentes políticos, dos gestores e do público em geral em
matéria de geoconservação, algumas acções de conservação, as faltas de
fiscalização, de monitorização e de estímulo à educação ambiental, bem como a
não implementação de práticas sustentáveis (Gray, 2004). Acrescenta-se, a tudo
isso, a comercialização ilegal de amostras de fósseis, minerais e rochas.
Todas estas
ameaças provocam alterações ou destruições da geodiversidade, susceptíveis de
acarretarem, quer de forma directa, quer indirecta, impacte a nível
socioeconómico uma vez que, desde o seu aparecimento na Terra, o Homem vem
dependendo cada vez mais dos recursos naturais, mormente dos recursos
geológicos (veja-se o caso do petróleo e outros georrecursos).
Contudo,
a robustez aparente da maioria das rochas, faz com que haja uma ideia
generalizada, de que a geodiversidade é susceptível de resistir a processos
naturais de erosão e a consequente degradação. Por outro lado, é ideia assente
que os objectos geológicos não carecem de medidas de protecção (Brilha, 2005).
Apesar de a Natureza nos dar razão em alguns casos, na maioria das vezes, a
geodiversidade evidencia grande vulnerabilidade em relação a certas
ameaças/perturbações. Para além das ameaças anteriormente referidas podemos
acrescentar outras como a ocupação de zonas litorais, a urbanização, os agentes
meteóricos e erosivos, a implantação de barragens, aerogeradores e de
infra-estruturas rodoviárias, criação de instalações para o uso público (e.g.
actividades recreativas), a recolha de amostras, escavação descontrolada em
locais com registos fósseis importantes, vandalismo, etc. (Sharples, 2002;
Brilha, 2005).
Deste
modo, podemos considerar que, de uma forma geral, todos os elementos da
geodiversidade apresentam uma maior ou menor sensibilidade às perturbações a
que estão sujeitos. Uns são mais sensíveis a determinadas ameaças para as quais
outros são mais resistentes ou, até, indiferentes.
Com base
nos trabalhos de Gordon e MacFadyen (2001), Sharples (2002), Gray (2004) e
Brilha (2005), descriminam-se, seguidamente, os factores que contribuem para a
ameaça à geodiversidade. De entre estes factores, alguns estão relacionados,
sobretudo, com a actividade de uso da geodiversidade.
A exploração dos recursos geológicos é das actividades humanas mais antigas, se
atendermos que os primeiros instrumentos de caça eram feitos de pedra. Os mais
variados materiais geológicos utilizados pelo Homem, quer na indústria de
construção civil (figura 3.4) quer na joalharia, produção de energia e outros,
têm impactes directos ou indirectos na geodiversidade, uma vez que a sua
utilização implica a exploração dos recursos geológicos. Esta exploração produz
efeitos nefastos, quer a nível dos afloramentos, quer a nível das paisagens.
Neste último caso, para além do impacte visual, a diversidade de espécies
vegetais que ocupam a vizinhança dos locais explorados sofrerá alterações
metabólicas, quer a nível da respiração, quer a nível da fotossíntese.
A
nível do afloramento, “a actividade extractiva pode consumir objectos
geológicos, como fósseis ou minerais, de valor científico, pedagógico ou
outros” (Brilha, 2005). Por outro lado, certas formações com elevado valor
petrológico e estratigráfico podem ficar danificados ou completamente
destruídos pela exploração. Por exemplo, no Monte Vermelho em Palmarejo, na
ilha de Santiago, os materiais piroclásticos vêm sendo explorados, de forma
descontrolada, apesar de Pereira (2005) ter reagido a esta situação, apontando
as consequências nefastas que, a curto prazo, podem resultar desta exploração.
De igual modo, a extracção de areias no leito das ribeiras e em certas praias
como em Santa Cruz, S. Miguel e Achada Baleia, tem causado, para além da destruição daquelas praias,
a aceleração dos processos erosivos e a intrusão salina, com impactes graves
para a fauna e flora locais. A extracção de areia litoral provoca ainda o
avanço do mar que afecta as áreas agrícolas.
Quanto
ao impacte paisagístico, é notório o aspecto inestético que certas paisagens
adquirem na sequência de actividades extractivas, sobretudo, quando
após à exploração a céu aberto não são implementadas medidas geotécnicas e de
recuperação ambiental que permitam a mitigação dos impactes.
Estamos
cientes da inevitabilidade do consumo e da exploração dos recursos geológicos,
dos quais todos nós dependemos. A título de exemplo, um estudo do Mineral Information Institute dos
Estados Unidos refere que, em média, cada cidadão americano que nasce
necessitará, ao longo da sua vida, de cerca de 1680 toneladas de minerais,
metais e combustíveis. Multiplicar este valor por todos os cidadãos que têm
padrões de consumo semelhantes aos dos americanos, é o bastante para imaginar o
volume
extraordinário de recursos geológicos de que dependemos (Brilha, 2005).
À
superfície da Terra decorre um conjunto de processos que se traduzem,
essencialmente, pela meteorização e erosão das rochas. Tais processos poderão
ser catalisados pelo dióxido de carbono proveniente, quer da
actividade dos seres vivos ou da sua decomposição, depois de mortos, quer do
dióxido de carbono atmosférico existente nas águas das chuvas. Nesta
óptica, o crescimento da vegetação contribui para o incremento de actividades
orgânicas o que poderá traduzir-se num aumento da carbonatação dos minerais
silicatados, que constituem a maioria das rochas que afloram à superfície dos
continentes. A carbonatação é um processo muito significativo no vasto processo
de alteração química das rochas, podendo ser uma grande ameaça à
geodiversidade.
A
densidade da cobertura vegetal em regiões climáticas favoráveis, poderá também
ocultar certas ocorrências geológicas (afloramentos, estratos dobrados,
sistemas de falhas, jazigos minerais etc.) com valor científico, pedagógico ou
outro, diminuindo os valores da geodiversidade local (Brilha, 2005). Para além
deste facto, a densa rede de raízes poderá facilitar a infiltração da água
favorecendo a formação de diáclases, levando à degradação dos elementos da
geodiversidade.
A desflorestação, por sua vez, contribui para, entre outras
coisas, aumentar o poder erosivo resultante da acção dos agentes da geodinâmica
externa. Não havendo raízes que facilitam a infiltração das águas pluviais, por
exemplo, aumenta o seu poder erosivo sobre os solos e rochas. Finalmente as
actividades agrícolas, intensivas onde se usa maquinaria pesada, como o
tractor, que aceleram o processo erosivo, levando à degradação do solo (Brilha,
2005). Também o uso de fertilizantes na agricultura poderá contaminar as águas
superficiais e subterrâneas deteriorando a sua qualidade química.
Esta prática poderá contribuir para a
acidificação de solos, contaminação dos cursos de água por metais pesados e a
para a deterioração da componente orgânica, tornando esses solos impróprios
para a agricultura e para o desenvolvimento de certas actividades biológicas.
Tais fertilizantes para além dos impactes
negativos para a geodiversidade também comprometem a biodiversidade local e a
qualidade das águas que abastecem a população, com reflexo directo na qualidade
de vida dos habitantes.
As
práticas agrícolas tradicionais, em Cabo Verde, têm contribuído ao longo dos
anos, para a destruição e perda de solos. Em muitos locais, sobretudo nas
encostas, o sistema de “monda” tem contribuído para o arrastamento do solo para
os vales das ribeiras com prejuízo enorme a nível pedológico. A ausência de
vegetação e as práticas extractivas geram impactes irreversíveis, alterando os
regimes hidrológicos superficiais e subterrâneos, modificando as condições de
infiltração e a própria qualidade do solo.
Em
face da zonalidade climática é possível definir, à escala global, grandes zonas
de influência dos vários processos de alteração das rochas. Assim, como
consequência das variações climáticas, há regiões (árcticas, desérticas quentes
e montanhas) onde predomina a meteorização mecânica e outras onde a
meteorização química e bioquímica são dominantes. A meteorização química e bioquímica
predomina em regiões com grande disponibilidade de água líquida (zonas
compreendidas entre o círculo polar árctico e o círculo polar antárctico) e
temperaturas que facilitam uma maior abundância de cobertura vegetal. Por outro
lado, as variações climáticas podem influenciar os fenómenos de crioclastia e
termoclastia, levando ao aparecimento de uma rede de diáclases que propiciem a
alteração das rochas. Segundo Brilha (2005), o factor climático poderá, ainda,
induzir mudanças nos sistemas de drenagem, provocando mudanças no regime de
sedimentação, inundações, induzir o aumento da erosão costeira, condicionar os
processos de fossilização, etc. Poderá, ainda, reactivar ou desactivar os
processos de meteorização/erosão (Gordon e MacFadyen, 2001) e constituir-se,
deste modo, como uma ameaça à geodiversidade.
A construção de obras de grande envergadura como pontes, vias rodoviárias
e férreas, barragens, portos, aeroportos etc., produzem impactes negativos sobre o meio abiótico, sendo, por isso, um
dos principais factores de destruição da integridade geológica e geomorfológica
e, consequentemente, uma ameaça à geodiversidade (Gray, 2004). A implantação de
infra-estruturas em sítios inadequados e sem devido plano de monitorização,
para além de provocar a impermeabilização de solos e zonas urbanizadas
reduzindo as zonas de retenção e consequentemente de infiltração da água das chuvas,
também poderá ocultar afloramentos que, de outra forma, poderiam constituir
importantes recursos didácticos para os alunos e professores de vários níveis
de ensino (Brilha, 2005).
De
modo semelhante, a construção de portos e outras obras em regiões costeiras
resulta, normalmente, em processos de degradação que podem pôr em perigo certas
formações geológicas. A título de exemplo, podemos citar a construção do porto
da Praia (figura 4) junto ao qual se encontra um depósito calcarenítico de
idade Quaternária, que de resto já foi indicado por Pereira (2005), como um
geossítio. Devido às intensas actividades antrópicas existentes no porto, esta
formação calcária poderá estar condenada ao desaparecimento. Por outro lado, a
trasfega de combustíveis e o seu armazenamento nos armazéns da ENACOL (Empresa
Nacional de Combustíveis S. A.) poderão constituir-se numa grande ameaça a este
estrato calcarenítico, uma vez que os combustíveis poderão derramar e reagir
quimicamente com os componentes desta formação, catalisando o seu processo de
degradação.
A propósito desta problemática podemos
referir a própria exploração dos materiais utilizados na construção dessas
obras, que muitas vezes, não obedecem aos princípios de sustentabilidade. Na construção do Palácio da Justiça e do Liceu
Domingos Ramos, ambos na Cidade da Praia, foi extraída, praticamente, toda a
areia fina e grosseira da Praia Negra, que hoje está resumida a uma praia de
calhaus.
As actividades militares implicam a utilização de maquinaria pesada
que associada a bombardeamentos durante os treinos, escavação de túneis e
trincheiras poderão produzir diversos impactes negativos para o ambiente, afectando
as características sensíveis da geodiversidade. O plano de operações de rotina,
em áreas sensíveis (Brilha, 2005), pode causar prejuízos tanto no domínio da
geodiversidade como no da biodiversidade. Esses prejuízos podem ir desde da
simples erosão de solos à poluição de aquíferos, por munições abandonadas, com
graves prejuízos para a qualidade das águas subterrâneas e superficiais.
A
maior parte dos políticos e gestores são preparados para trabalharem a nível
administrativo, da mesma forma que, a maioria dos geocientistas (geólogos,
geofísicos, geomorfólogos, pedólogos etc.) é preparada para contribuir em
actividades como indústrias extractivas, exploração mineral, agricultura,
silvicultura, gestão de áreas protegidas e organizações semelhantes.
Torna-se,
então, necessário conceber medidas e implementar acções que visam promover o
equilíbrio entre o uso industrial de recursos naturais e o esforço para
proteger e preservar a geodiversidade. Este equilíbrio seria parte integrante
do anunciado e desejável desenvolvimento sustentável e constituiria a forma
ideal de conservar a Natureza e os seus recursos, envolvendo ambas as
vertentes: diversidade geológica e biológica.
Tais
medidas e acções passam, por exemplo, pela realização de cursos de pós-graduação,
de formação contínua, ou de qualquer outro carácter que permitam a aquisição e
actualização de conhecimentos, na área da geoconservação, mesmo por parte
daqueles que lidam profissionalmente com a Geologia (Brilha, 2005). Como
consequência da iliteracia do público surgem, muitas vezes, actos de vandalismo
que também constituem um dos principais problemas associados à geodiversidade e
aos espaços naturais protegidos. Por vezes, aparecem painéis informativos
danificados (rasgados, pintados com graffiti…), vedações danificadas, graffiti
sobre elementos geológicos de excepcional valor o que contribui para aumentar a
vulnerabilidade dos elementos naturais protegidos. Por isso, para além dos
programas de informação/sensibilização que visem condutas compatíveis com a
conservação, a administração dos espaços naturais protegidos deverá desenvolver
um programa de monitorização e vigilância que permitam assegurar uma adequada
conservação da geodiversidade e outros valores naturais afectos a estes locais.
Conclui-se que o conceito de
geodiversidade, apesar de estar a ser amplamente divulgado nas últimas três
décadas, carece ainda de algum consenso entre os especialistas e alguma
interiorização por parte do público. Não obstante, o seu conhecimento é importante
não só para a implementação de acções de geoconservação como também para o
conhecimento da história da Terra e
dos seres vivos que nela habitam.
Por outro lado,
quando do estabelecimento de planos de ordenamento do território temos de
conhecer bem a geodiversidade local dadas as especificidades geológicas de cada
região. Considerando que a diversidade de estruturas (petrológicas,
hidrogeológicas, tectónicas e geomorfológicas) e os materiais geológicos
(solos, rochas e minerais) que integram a diversidade geológica representam o
substrato, sobre o qual se desenvolve toda a actividade orgânica, é
imprescindível promover difusão da geodiversidade, os seus valores e os
factores que a ameaçam e, ainda, propor medidas que contribuem não só para a
sua gestão sustentável como também para minimizar os impactes decorrentes da
sua degradação.
A
preservação da geodiversidade deve constituir-se numa prioridade para os
cientistas, educadores, técnicos e políticos responsáveis pela gestão de
políticas ambientais e de Conservação da Natureza. Para isso, é necessário que
todos estes actores e a sociedade em geral se envolvam na promoção, divulgação
e valorização da geodiversidade.
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