segunda-feira, 7 de maio de 2012


Geoconservação, um imperativo para a humanidade - o caso de Cabo Vede

A Natureza é integrada por dois componentes essenciais:
 1) Biodiversidadecomo quantidade dos seres vivos existentes, suas espécies, características, sua variação e diferenciação em todos aspectos da sua vida;
2) Geodiversidade - como variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos activos capazes de gerar paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que constituem a base para a vida na Terra.
A ocorrência de um ou mais elementos da geodiversidade (aflorantes quer em resultado da acção de processos naturais quer devido à intervenção humana) dá-se a designação de Geossítio. Este encontra-se bem delimitado geograficamente e apresenta valor singular do ponto de vista científico, pedagógico, cultural, turístico, ou outro. O local com uma excepcional concentração de geossitios designa-se por Área de interesse geológico e o conjunto de geossitios inventariados e caracterizados numa dada região é o Património Geológico.
Como forma de preservar os efeitos nefastos contra a natureza e mais concretamente sobre a geodiversidade, surge o termo geoconservação, uma nova área de especialidade das Geociências que se ocupa da identificação, avaliação, gestão e conservação dos locais cujos valores da geodiversidade estão acima da média, isto é, lugares cujas ocorrências geológicas possuem inegável valor científico, pedagógico, cultural, turístico ou outros - os geossítios (Brilha, 2005).
A geoconservação tem por finalidade reconhecer, preservar e valorizar os constituintes não vivos do meio natural com significado e valor geológico, ou seja, valores de excepção representativos da geodiversidade (“conjunto de ambientes geológicos, fenómenos e processos activos geradores de paisagens, rochas, minerais fósseis, solos e outros depósitos superficiais que constituem a base para a vida na Terra” - Stanley, 2000).
Dependendo da dimensão, do nível de impacte e do grau de vulnerabilidade dos elementos da geodiversidade, que se propõem conservar, poderão ser aplicadas técnicas de actuação complexas e avançadas ou uma simples norma de comportamento por parte do geoconservador ou do próprio turista, adoptando as seguintes medidas de prevenção:
  • Proteger e manter a integridade de locais com relevância para a geoconservação;
  • Contribuir para minimizar os impactes decorrentes de actividades que possam perigar os geossítios;
  • Preservar as taxas e magnitudes das modificações de processos geológicos;
  •  Interpretar a geodiversidade para os turistas e outros visitantes de áreas protegidas;
  •  Promover a exploração sustentável dos recursos geológicos;
  •  Proteger, manter e monitorizar os geossítios;
Em muitos casos, como por exemplo nas áreas protegidas a atitude conservadora não depende somente dos gestores, da aplicação dos instrumentos jurídicos e dos políticos mas também do comportamento individual ou colectivo dos visitantes (Carcavilla et al., 2007).
A geoconservação perspectiva também uma gestão sustentada dos recursos geológicos através do reconhecimento, valorização e divulgação do património geológico, o que implica o cumprimento dos seguintes objectivos:
a)      Contribuir para a preservação da biodiversidade e para a manutenção dos processos ecológicos dependentes da geodiversidade;
b)      Conservar e assegurar a manutenção da geodiversidade
c)      Encorajar os geocientistas na pesquisa e proposta de mais geossítios para lista de Património Mundial;
d)     Contribuir para a valorização do património geológico
A concretização desses objectivos implica a adopção de estratégias locais e nacionais que promovam a implementação de uma política ambiental susceptível de garantir a conservação e valorização do ambiente, mormente no que se refere ao ordenamento do território, protecção do litoral, criação de espaços protegidos (parques naturais, sítios de interesse geológico entre outro.
Entre essas estratégias podemos destacar as estratégias de geoconservação.
Uma estratégia de geoconservação é um processo que visa pôr em prática as acções de conservação do património geológico
Etapas de uma estratégia de geoconservação
Inventariação
Quantificação
Classificação
Conservação
Valorização e divulgação
Monitorização

Tendo em conta a necessidade de implementar a geoconservação em Cabo verde (arquipélago formado por dez ilhas sendo nove habitadas) foi concebida uma estratégia de geoconservação para Cabo Verde cuja aplicação se restringiu à ilha de Santiago a maior do país no espaço territorial e com maior concentração populacional.
A conservação da geodiversidade e do património geológico cabo-verdianos justifica-se pela ocorrência de rochas formadas desde o Mesozóico (161 ± 4 M. a.) - os calcários da ilha do Maio - até à actualidade (algumas rochas vulcânicas na ilha do Fogo com apenas 17 anos de existência surgidas a partir da ultima erupção vulcânica ocorrida em Abril de 1995).
Devido à natureza arquipelágica do país, o que faz agravar os problemas logísticos, à necessidade em estabelecer um programa de geoconservação que abranja de forma completa todo o arquipélago e, ainda à dificuldade que os geocientistas de vários países já relataram, quando do estabelecimento de uma estratégia de geoconservação, entendemos que a melhor forma de conceber esta estratégia para Cabo Verde é seguir uma metodologia idêntica àquela proposta pela ProGEO para o estabelecimento de uma estratégia de geoconservação para áreas alargadas:

A Conservação da Natureza é considerada como todo tipo de gestão da Natureza, incluindo a protecção integral, a utilização sustentável e a recuperação ou restauração de áreas degradadas, visando a perpetuação das espécies e a manutenção da biodiversidade e de outros recursos naturais. A abordagem dessa questão requer sempre que se tenha em conta os locais onde a conservação é prioritária, o tipo de bem/objecto a conservar e a adopção da melhor estratégia no processo de conservação. É necessário que haja definições claras e objectivas dos alvos da conservação: espécies, comunidades, geossítios, áreas de interesse geológico entre outros. Na Cimeira do Rio, de Janeiro em 1992, reconheceu-se que o então modelo de crescimento e desenvolvimento, baseado na exploração dos recursos naturais sem se levar em consideração a disponibilidade e a capacidade de renovação dos mesmos, era inviável. Assim, enquadrado nas estratégias do desenvolvimento sustentável propôs-se uma série de objectivos entre os quais o uso eficiente dos recursos naturais, a restauração dos sistemas degradados e o reconhecimento da importância do meio ambiente para o bem-estar humano (Carcavilla et al., 2007). O uso eficiente dos recursos naturais e a restauração dos sistemas degradados requerem que se reequacione os procedimentos face à exploração e gestão dos mesmos, uma vez que alguns recursos, designadamente os geológicos não são renováveis. Daí a necessidade de desenhar novos recursos tecnológicos para a sua exploração e investigação no domínio das Ciências Geológicas (Uceda, 1980). Mas não basta redesenhar os recursos tecnológicos para a exploração dos georecursos, é preciso também moldar a consciência humana, sobretudo se considerarmos que, presentemente, em muitos países subdesenvolvidos continua a haver uma sobre-exploração destes recursos como forma de fugirem à pobreza (World Resources Institute, 2005). Por isso, é importante que haja não só assinaturas de tratados internacionais e protocolos de cooperação, mas também a realização de encontros internacionais, seminários de formação local que ajudam a consciencializar a população e a transmitir-lhe conhecimentos de modo a agir de forma mais ajustável às premissas da sustentabilidade (Carcavilla et al., 2007).
Por outro lado, determinados fenómenos que ocorreram na Terra há milhões de anos, e que estão registados em rochas, são únicos e, provavelmente, jamais se repetirão. Estas e outras ocorrências geológicas de excepcional valor deverão ser conservados de forma a evitar a sua degradação e garantir a sua perpetuação. A conservação destas ocorrências passa pela geoconservação que tem como objectivo a conservação e a gestão do património geológico e processos a eles associados (Brilha, 2005).
Embora reconheçamos que há necessidade de exploração e consumo dos recursos geológicos, por vezes com algum valor, é necessário que se tenha a consciência da sua escassez e que pode esgotar a qualquer momento, pelo que a sua gestão deva ser feita de forma equilibrada e responsável pensando nas gerações vindouras e na sustentabilidade do planeta terra. A melhor forma de os gerir é integrá-los em áreas protegidas, uma vez que aí os sistemas de gestão estão assegurados por regimes jurídicos que garantem a sua conservação e o uso sustentável. O reconhecimento de que os elementos da geodiversidade de excepcional interesse devem ser conservados é algo de muito recente pelo que são muito raras as áreas protegidas declaradas por motivos exclusivamente geológicos.
 Nas últimas duas décadas tem havido uma crescente consciencialização à volta desta questão pelo que a conservação destes elementos é vista não só como algo possível, mas também necessário para a permanência do homem como “ inquilino” do planeta Terra.   
  
                     

    
                                

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:


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